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ALMANAQUE DO FLUMINENSE

A curiosa história da estátua do Fluminense na Suécia.

Updated: Oct 20, 2022


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Uma estátua do Fluminense na Suécia? Como assim? Isso é possível? Claro que sim. Não só é possível como é verdade. A foto acima não me deixa mentir. Mas como pode um clube sem muita projeção internacional como o Fluminense ter uma estátua num país tão distante como a Suécia? Para responder essa pergunta precisamos retroceder mais de 50 anos, para 1960 para ser exato. Ano em que o Fluminense realizou a sua segunda excursão à Europa.

O Fluminense do início dos anos 1960 vivia ótimo momento. O time que contava com craques como Castilho, Pinheiro, Telê e Waldo em seu elenco, havia no final do ano anterior vencido o Campeonato Carioca após um longo jejum de oito anos. Em janeiro e fevereiro excursionara pela América Latina e em abril conquistara pela segunda vez o Torneio Rio-São Paulo, trazendo para o Estado da Guanabara seu primeiro título.

Dois dias após a conquista, o Fluminense, sem Castilho, Altair e Waldo, servindo à seleção, embarcou para uma longa excursão de oitenta dias pelo Velho Continente. No intinerário, estavam programados 19 jogos em Portugal, Inglaterra, Bélgica, Holanda, Suécia, Finlândia, Noruega, Hungria, Itália e Espanha. A Suécia, particularmente, foi o trecho mais longo da excursão. O Fluminense fez sete jogos no país escandinavo. O último numa pequena vila de menos de mil habitantes chamada Borrby, na região de Österlen no sul do país.

Para esse amistoso, contra um combinado da região (fig. 1), o Fluminense jogou reforçado do ponta-esquerda sueco Lennart Skoglund. Ídolo da Internazionale de Milão, mas na época defendendo a Sampdoria, “Nacka”, como era conhecido, é até hoje considerado um dos maiores jogadores que a Suécia já produziu. Esteve presente em duas Copas do Mundo: em 1950 no Brasil, quando impressionou a todos com suas brilhantes atuações, tanto que o São Paulo chegou a oferecer uma alta soma para contratá-lo, e em 1958 quando sagrou-se vice-campeão mundial.


fig. 1 – Anúncio publicado em jornal sueco promovendo o amistoso entre o Fluminense e o Comb. de Österlen em 10/06/1960.


“Nacka” viajou para Borrby, expressamente para reforçar o conjunto local, no entanto, a Federação Sueca o proibiu de jogar e o Fluminense, num belo gesto em homenagem a quem foi um de seus grandes “inimigos” na final da Copa do Mundo, o convidou a jogar pela equipe tricolor (fig. 2). Atuando como meia-direita, no lugar de Paulinho, e vestindo a camisa dez, “Nacka” não marcou nenhum gol na goleada de 11 a 0, a maior do Fluminense na excursão, mas deu dois passes para gol, um para Telê, outro para Waldo, nos 45 minutos que esteve em campo.


fig. 2 – Waldo, “Nacka” e Escurinho.


Pois bem, em 2012, pesquisando a biografia desse jogador para o meu banco de dados, eu me deparei com um site sueco (http://borjedorch.se/nacka.html) que lhe prestava bonita homenagem. Como eu tinha nos meus arquivos a ficha consular dele (fig. 3) por ocasião de sua vinda ao Brasil em 1950 para a Copa do Mundo, eu a enviei ao autor do site, Peter Dorch, e aproveitei para perguntar se ele sabia que o Skoglund tinha atuado pelo Fluminense. Para minha surpresa, ele não só me respondeu que sim, conhecia o episódio, como me falou da existência de uma estátua sua (e de uniforme tricolor!) em Borrby e me contou a seguinte história:

Skoglund faleceu em 1975, aos 45 anos de idade, para tristeza de muitos de seus fãs na Suécia e na Itália. Um desses fãs era Börje Dorch, jornalista, escritor, caricaturista, amigo de infância de “Nacka” e progenitor do Peter, que criara o site em homenagem ao pai. Após a morte de Skoglund, Börje e um grupo de amigos do craque, passaram a se reunir em frente da casa onde ele morou em Estocolmo, na véspera do Natal, sua data de nascimento, para trocar reminiscências do ex-jogador. Esse encontro virou tradição e toda véspera de natal às dez da manhã, cerca de 200 a 300 pessoas, em sua maioria gente da terceira idade que viram “Nacka” jogar, se reúnem no local para ouvir discursos e escutar música italiana. Em 1984 foi inaugurada uma estátua de aço inoxidável (fig. 4 e 5) perto da casa onde ele morava, esse local ficou conhecido como “Nackas Hörna” ou “Esquina do Nacka”. A partir de 1986, cerca de mil torcedores do Hammarby, clube que o revelou, passaram a se reunir no local também na véspera de natal, porém em outro horário, ao meio-dia, para ouvir histórias sobre ele, beber Glögg (vinho quente) e comer biscoitos de gengibre, como é costume no Natal sueco. Em 20 de junho de 2010 uma segunda estátua de “Nacka”, de autoria do escultor Rickard Andersson, foi inaugurada (fig. 6). Desta vez, na pequena Borrby, no exato local onde no verão de 1960 “Nacka” se tornou o primeiro sueco a defender um clube brasileiro. Mesmo que por apenas 45 minutos. Assim como em Estocolmo, a partir de 2010, toda véspera de natal “Nacka” é homenageado em Borrby. Às dez horas é realizado um jogo entre fãs locais do Hammarby e uma equipe de veteranos do Borrby IF. Depois do jogo a multidão se reúne em torno da sede do clube para, adivinhem, isso mesmo, beber Glögg e comer biscoitos de gengibre. Um filme do amistoso de 1960 é mostrado e ao meio-dia as pessoas se reúnem em torno da estátua para ouvir um discurso homenageando o antigo craque.


fig. 3 – Ficha consular de “Nacka” por ocasião de sua vinda ao Brasil em 1950 para a disputa da Copa do Mundo.

fig. 4 – Esquina do “Nacka”.

fig. 5 – Estátua de “Nacka” em Estocolmo.


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fig. 6 – Estátua de “Nacka” em Borrby.


Pera aí. Eu disse “um filme do amistoso de 1960″? Isso mesmo, a história fica cada vez melhor. Quando eu soube que o jogo de 1960 do Fluminense havia sido filmado eu logo tratei de conseguir uma cópia desse filme. Através do Peter (o Dorch, não o Siemsen), eu entrei em contato com o presidente do Borrby, enviei-lhe uma cópia do livro de 110 anos e uma camisa branca oficial do Flu e em troca recebi uma echarpe, uma flâmula, um pin e uma cópia em dvd do filme (fig. 7).


fig. 7 – Echarpe, flâmula e pin do Borrby IF da Suécia.


Com apenas três minutos de duração, embalado por música dos Beach Boys, e EM CORES (a primeira película colorida do Fluminense que eu tenho conhecimento), o filme mostra um futebol diferente do que a gente está acostumado a assistir hoje. Nele dá pra ver que o Fluminense jogou de branco, o combinado atuou com a camisa do Borrby IF, os dirigentes do tricolor vestiam ternos cinzas com o escudo do clube, Telê perdeu um pênalti e curiosamente nenhum dos 11 gols foi filmado (fig. 8).


fig. 8 – Cenas do amistoso Fluminense x Combinado de Österlen, realizado em 10/06/1960.


Esse filme agora faz parte do acervo do Flumemória e todo ano, na véspera de Natal, na pequena vila de Borrby, no sul da Suécia, o presidente do clube local, envergando a camisa do Fluminense, discursa ao pé de uma estátua de um jogador de futebol sueco, há muito falecido, e que certa vez, há mais de 50 anos atrás, por menos de uma hora envergou o uniforme tricolor. Enquanto a plateia, que assiste a tudo compenetrada, bebe Glögg e come biscoitos de gengibre!


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