O futebol foi inventado pelos portugueses.
- Carlos_Santoro
- Aug 22, 2017
- 5 min read
Updated: Oct 20, 2022

Eu costumo dizer que no momento que a Biblioteca Nacional disponibilizou para consulta on-line centenas de jornais dos últimos duzentos anos e permitiu a busca por palavras-chave, as portas da história do Brasil foram escancaradas. Todo mundo sabe que o Marechal Deodoro proclamou a República em 15 de novembro de 1889, mas agora, graças a essa nova ferramenta, tem a oportunidade de saber dos pormenores, como a primeira coisa que ele fez ao desmontar do cavalo, por exemplo. Verdades absolutas serão desmentidas, episódios há muito esquecidos serão relembrados e a história terá que ser reescrita. Um exemplo disso é o texto que eu publiquei no livro O Fluminense somos todos nós, lançado no ano passado, sobre a origem do termo “torcedor”, onde eu demonstro sua origem turfística e não nas Laranjeiras como sempre se acreditou.
Seria então o título deste post mais um exemplo dessa revisão histórica? O futebol não foi criado na Inglaterra como sempre acreditamos e sim em terras lusitanas? Nem tanto, nem tanto. Explico.
Eu sempre tive curiosidade em saber quando exatamente o vocábulo “football” foi aportuguesado e se tornou “futebol”. E aqui eu me refiro a palavra escrita e não a palavra falada, pois não é difícil imaginar que para o brasileiro que não falava inglês, o football sempre soou como “futbol”, “futebol” ou “futibol” desde o seu principio. É sabido que ao importar o popular esporte da Inglaterra, o Brasil trouxe com ele uma serie de vocábulos a ele associados como “penalty”, “corner”, “shoot”, “crack”, “team”, “dribble”, só para citar alguns, e que com o tempo seriam todos convertidos ao português, tornando-se “pênalti”, “corner”, “chute”, “craque”, “time” e “drible” respectivamente. Neologismos óbvios. Escrevia-se o que se ouvia. Mas e o “futebol”? Quando exatamente surgiu o vocábulo?
Para esclarecer esse mistério eu recorri mais uma vez aos arquivos da Biblioteca Nacional, dando uma busca pelo vernáculo em todos os jornais ali disponíveis.
A menção mais antiga da palavra “futebol” que eu encontrei foi em um conto chamado “O Noivado de Helena” de autoria de Antônio Torres publicado no Jornal das Moças em 1916 (ver fig. 1). Aos poucos, nos anos seguintes, a palavra foi pipocando aqui e ali, e é nesse momento, ainda na década de 1910, que surge a ideia do “balípodo”, sugerida pelo filólogo Alcides d’Arcanchy, inimigo ferrenho dos estrangerismos que invadiam a língua portuguesa (ver fig. 2). Um clube chegou a ser fundado contendo esse vernáculo (ver fig. 3), mas embora presente no Dicionário Houaiss, o termo obviamente não pegou, assim como outros sugeridos por puristas radicais como d’Arcanchy, entre eles: ludopédio, pebol, pedibola e bodabolismo. O “balípodo” ainda seria revivido no início da década de 1940, quando o Ministro da Educação, Gustavo Capanema, assinou portaria designando uma comissão para estudar e organizar um plano de nacionalização e uniformização das expressões usadas nos esportes (ver fig. 4). A essa altura d’Arcanchy virara uma figura quixotesca, defendendo o seu “balípodo” em publicações, palestras e conferências.

fig. 1 – Conto publicado no Jornal da Moças em 1916 contém a primeira instância da palavra “futebol” publicada pela imprensa brasileira.

fig.2 – A primeira referência a palavra “balípodo” sugerida como substituta ao “football” é de 1918.

fig. 3 – O Grêmio Balipodista de Catumby fundado em 1918, foi provavelmente o único do mundo a ter balípodo no nome.

fig. 4 – O balípodo voltou à moda no início dos anos 1940.
Voltando ao “futebol”, antes de iniciar minha pesquisa, eu acreditava que o termo “futebol” havia sido adotado gradativamente pelos cronistas esportivos, de forma uniforme, e que em algum momento (eu imaginava que na década de 1920), ele havia finalmente suplantado o “football”, que aos poucos teria caído no esquecimento. Ledo engano. Num primeiro momento, os resultados que eu obtive foram tão confusos, que eu resolvi em vez de pesquisar em todos os jornais de uma forma geral, me concentrar em apenas alguns dos mais importantes, e os resultados foram surpreendentes.
Selecionei então cinco jornais significativos do Rio de Janeiro do século XX: A Noite, Correio da Manhã, Gazeta de Notícias, Jornal do Brasil e O Globo. Deixando de fora jornais importantes como O Paiz, O Imparcial e Jornal dos Sports por não cobrirem todo o período que me interessava. Para cada um deles dei uma busca pelas palavras “football” e “futebol”, anotando o número de resultados que retornavam para cada ano. O resultado dessa pesquisa vocês podem ver nos gráficos abaixo (um para cada jornal), onde o eixo x representa os anos (limitei minha pesquisa entre 1901 e 1975, menos os anos em que cada determinado jornal não foi publicado) e o eixo y o números de vezes que cada termo é mencionado. A linha escura representa o termo “football”, a mais clara o “futebol”.

fig. 5 – Gráficos com o número de ocorrências das palavras “football” e “futebol” a cada ano nos principais jornais cariocas do século XX.
Sempre fazendo a ressalva de que não estamos falando aqui de uma ciência exata e que os resultados obtidos podem ter sido desvirtuados por uma série de fatores internos e externos como a eficiência da ferramenta de busca da Biblioteca Nacional por exemplo, esses gráficos mostram duas coisas interessantes. A primeira são as esperadas curvas ascendentes, o que demonstra o aumento da popularidade do futebol através dos anos. A segunda e mais interessante, e que vale para todos os jornais, é que a troca de “football” para “futebol” não foi gradual e sim instantânea como mostra a queda brusca da linha escura acompanhada da subida íngreme da linha clara num mesmo momento. E surpreendentemente em um ano diferente para cada jornal. Em 1941 para o Correio da Manhã e para a Gazeta de Notícias, em 1951 para A Noite, em 1955 para O Globo e em 1957 para o Jornal do Brasil (após uma primeira tentativa em 1935). O que demonstra que a troca do termo não aconteceu de forma natural e sim por imposição, seja por decisão do editor, do revisor ou do tipógrafo de cada publicação. Portanto a resposta para a pergunta: quando exatamente o termo “football” foi aportuguesado? É que não existe uma data precisa, com cada jornal adotando uma data diferente a sua conveniência. E mais ainda se considerarmos outros jornais, como algumas publicações paulistas que no inicio da década de 1920 já adotaram o “futebol” preferencialmente.
Mas essa história não termina aqui. Uma carta de autor desconhecido publicada em 1917 no Correio da Manhã (ver fig. 6), e confirmada em crônica publicada em 1920 no jornal A Razão (ver fig. 7) mostra que antes do Brasil, Portugal já abraçara o “futebol”, donde se conclui que o “football” pode ter sido criado pelos ingleses, mas o “futebol” foi com certeza inventado pelos portugueses.

fig. 6 – Segundo carta publicada no Correio da Manhã em 1917, o termo “futebol” foi inventado pelos portugueses.

fig. 7 – Crônica publicada no jornal A Razão em 1920 confirma a origem portuguesa da palavra “futebol”.
Para concluir, vale lembrar que enquanto clubes como o Santos e o Botafogo (após a fusão com o remo) aportuguesaram os seus nomes, o Fluminense manteve-se fiel às suas origens e até hoje carrega o “football” no nome.
E a propósito, a primeira coisa que o Marechal Deodoro fez ao apear do cavalo após proclamar a República, foi pedir por uma cadeira, pois encontrava-se enfermo no dia 15 de novembro, tendo saído da cama mais cedo exclusivamente para liderar o movimento revolucionário.



Comments