Vai que é tua, Orejuela!
- Carlos_Santoro
- Nov 14, 2017
- 7 min read
Updated: Oct 25, 2022

Na final do Estadual deste ano, o meia Orejuela foi improvisado no gol do Fluminense após a expulsão do goleiro Diego Cavalieri nos minutos finais da partida, pois o Tricolor já havia feito as três substituições permitidas pela regra. O fato, embora inusitado, não é inédito, tendo ocorrido em outras oito ocasiões na história do clube. Mas quem foram e quais as circunstâncias que obrigaram jogadores de linha atuarem improvisados na meta do Tricolor?
Ficam de fora dessa minha relação jogadores amadores do começo do século passado como Félix Frias, Adolpho Simonsen, Cawood Robinson e Victor Etchegaray, que embora fossem preferencialmente jogadores de linha, atuaram excepcionalmente no gol por diferentes motivos em uma ou mais ocasiões. O inglês Francis Walter que foi meia em 1904 e goleiro em 1905 e 1906, é outro que eu deixei de fora, pois como seus companheiros mencionados acima (e ao contrário dos nove integrantes da minha lista), foram escalados de início no gol nas partidas, não sendo portanto substitutos improvisados, com o jogo em andamento, de goleiros expulsos ou lesionados.
O primeiro jogador de linha do Flu a substituir um goleiro no decorrer de uma partida foi o back Delson em jogo válido pelo segundo turno do Campeonato Carioca de 1930. Faltando 20 minutos para o final do jogo, que o Fluminense venceria por 4 a 0, o goleiro Velloso, ao tentar defender uma bola, chocou-se acidentalmente com Ernesto do Bonsucesso, sofrendo nova fratura no mesmo braço lesionado dois meses antes num amistoso contra o América. Como o arqueiro reserva Batalha não encontrava-se no estádio, Velloso foi substituído pelo half-back do segundo quadro Delson. O jovem defensor tricolor, que não atuava há mais de um mês, saiu-se melhor que a encomenda, pois não só manteve invicta como encontrara a cidadela de Velloso, fazendo duas defesas difíceis, como defendeu até um pênalti, cometido por David e cobrado por Bahia, para delírio da torcida do Flu que o aplaudiu demoradamente.
Passariam-se 20 anos até que o Fluminense tivesse que novamente deslocar um jogador de linha para o gol em uma partida. Aconteceu em Conselheiro Galvão, contra o Madureira, em jogo pela quarta rodada do Campeonato Carioca. A partida se aproximava do seu final e o Fluminense perdia pela contagem mínima. O clima no estádio era tenso. Minutos antes, o árbitro Carlos de Oliveira Monteiro, o Tijolo, anulara um gol legítimo de Santo Cristo, alegando impedimento. Insultado pelo torcida e alvo de pedradas, o bandeirinha teve que ser substituído. O Fluminense martelava, buscando o gol de empate, mas num rápido contra-ataque, Mineiro mandou uma bola na trave e no rebote centrou sobre a grande área. O atacante suburbano Tampinha, inteiramente livre e em flagrante impedimento, só teve o trabalho de ajeitar a bola e empurrá-la para a rede. Alegando que a bola havia batido na perna de Pinheiro, Tijolo consignou o tento, para desespero do goleiro Castilho que reclamou com o árbitro e foi expulso. Dirigentes do Tricolor invadiram o campo mas foram contidos pela polícia. O jogo esteve paralisado por alguns minutos, o zagueiro Pinheiro assumiu a meta, mas logo depois a partida foi encerrada.
Após o Torneio Rio-São Paulo de 1959, o Fluminense realizou uma longa e vitoriosa excursão ao Norte-Nordeste do Brasil. Foram 17 jogos disputados em pouco mais de um mês. Após empatar as duas primeiras partidas em Recife, o Flu engatou uma seqüência de 15 vitórias, muitas delas de goleada. Em Manaus foram três amistosos disputados, o último deles contra o Santos da capital amazonense. Aos 39 minutos do segundo tempo o árbitro marcou um pênalti contra o Fluminense. O goleiro Victor Gonzales, que havia substituído Castilho no intervalo, reclamou e foi expulso. O lateral direito Jair Marinho foi então improvisado no gol mas não conseguiu defender a cobrança de Zizinho, sofrendo o gol de honra dos santistas na vitória de 6 a 1 do Tricolor.
O próximo “goleiro temporário” do Fluminense foi o ponta-esquerda Escurinho em 1963. A equipe de Álvaro Chaves vencia o Bonsucesso no Maracanã por 3 a 0 quando aos 32 minutos da segunda etapa o zagueiro Procópio cometeu uma falta na entrada da área do Flu. Borges cobrou, autorizado pelo juiz Waldemar Meireles, mas este mandou repetir a cobrança, sob a alegação de que Altair e Dari, na barreira, não conservaram a distância regulamentar. Repetida a cobrança, o goleiro Castilho praticou a defesa e quando preparava-se para repor à bola em jogo, reclamou com o árbitro, batendo a pelota no chão e gesticulando. O juiz já se dirigia para o meio de campo quando Borges cercou-o, talvez para dizer que Castilho o estava ofendendo. Waldemar Meireles voltou ao limite da área e como Castilho continuava gesticulando, apontou para o vestiário, decretando a expulsão do arqueiro. Castilho saiu resmungando e já na boca do túnel entregou a camisa ao ponteiro Escurinho, que puxava da perna direita. Escurinho foi para o gol e passados três minutos, com o Fluminense prendendo a bola sem que o Bonsucesso conseguisse recuperá-la, caiu no gramado ao devolver uma bola, demonstrando ter sentido o músculo da perna direita. Simulação ou não, Escurinho saiu de campo amparado pelo preparador físico Orlando Moreira e foi substituído pelo goleiro reserva Márcio. Pois bem, na época, o regulamento do campeonato só permitia a substituição do goleiro e Escurinho, embora estivesse atuando na meta, era jogador de linha, e foi disto que se valeu o departamento jurídico do Bonsucesso para anular o jogo. De pouco adiantou a resolução do STJD de marcar nova partida, pois o Fluminense venceu o Bonsucesso mais uma vez, duas semanas depois, desta feita pelo placar mínimo.
“Flu vence sem goleiro”. A manchete do Jornal dos Sports resume bem aquela que é talvez a mais famosa vitória Tricolor com um jogador a menos: o 2 a 1 sobre o Vasco de 19 de outubro de 1966. O Flu jogou incríveis 52 minutos sem o goleiro Jorge Vitório, que expulso de campo, foi substituído pelo atacante Mário. Foi uma vitória épica, que empolgou a torcida tricolor, que eufórica agitava suas bandeiras e cantava nas arquibancadas: “ai, ai, ai ai, está chegando a hora…”. O Fluminense ganhava fácil por 2 a 0, gols de Amoroso de pênalti e de Lula, quando Vitório, em sua primeira e única defesa durante o jogo, aos 38 minutos do primeiro tempo, recebeu um tranco de Danilo Menezes, e revidando com um pontapé, foi imediatamente expulso pelo árbitro José Teixeira de Carvalho. O jogo prosseguiu, já com Mário no gol, o Vasco tentando chutes de longe. Mas caberia a Madureira, de dentro da grande área, aproveitando-se de uma falha de Caxias, nos acréscimos do primeiro tempo marcar o único gol do Vasco. O jogo se tornou dramático no segundo tempo com o Vasco se lançando à frente, tentando de todas as formas igualar o placar, e o Fluminense defendendo-se como podia e explorando os contra-ataques. Mário, na tentativa de defender o seu gol, protagonizava verdadeiras cenas cômicas. Sem qualquer aptidão para o difícil oficio de goleiro (sua escolha foi única e exclusivamente porque estava contundido e o aproveitamento de qualquer outro iria prejudicar ainda mais a equipe), perturbava os atacantes adversários, fazia cêra, esfriava o jogo, e com muita personalidade liquidou os vascaínos, sem precisar fazer maiores intervenções (fig. 1).

fig. 1 – Mário agitou o Maracanã mais pelas defesas que não precisou fazer do que pelas que fez.
Somente 30 anos depois o Fluminense voltaria a viver situação parecida. O time fazia péssima campanha no Campeonato Brasileiro, perdera todos os jogos fora de casa, e a partida contra a Portuguesa no Canindé, não foi exceção. Mesmo sendo derrotado por 2 a 0, o goleiro Léo, hoje treinador do sub-20 do Flu, era a melhor figura em campo, mas ao reclamar de uma falta que o juiz Fabiano Gonçalves marcara aos 45 minutos do segundo tempo, acabou sendo expulso. O atacante Zé Cláudio também reclamou e foi igualmente expulso. Com dois a menos, o técnico Cláudio Duarte ameaçou tirar o time de campo, mas o meia Cadu foi para o gol e ainda evitou o terceiro da Portuguesa.
O artilheiro Magno Alves foi a bola da vez em 1999. Num jogo tumultuado em que o Fluminense foi muito prejudicado com a não marcação de dois pênaltis claros a seu favor, o Tricolor não saiu de um empate em 1 a 1 com o Moto Clube no Castelão, jogo válido pela série C do Campeonato Brasileiro. A confusão teve início aos 32 minutos da segunda etapa quando o goleiro Rodrigues da equipe maranhense atingiu com um soco o atacante Roger numa disputa normal de bola. Começou então uma briga generalizada que contou ainda com a violência da polícia militar que espancou o zagueiro Mano com um cassetete, a ponto dele desmaiar e ter de ser levado de ambulância para o hospital (fig. 2). O juiz Iran Gonçalves Aranha, omisso, optou por expulsar três de cada lado – incluindo aí a providencial expulsão do agredido Mano – e acabou por prejudicar o Fluminense, que já havia feito as suas três substituições e, com a expulsão do goleiro Diogo, foi obrigado a improvisar Magno Alves no gol. Depois de 24 minutos de paralisação, o jogo recomeçou. O Moto Clube, porém, deu apenas um chute, que Magno defendeu sem maiores dificuldades.

fig. 2 – Policias militares ameaçam os jogadores do Fluminense na partida contra o Moto Clube no Castelão em 1999.
O Fluminense sofreu para derrotar o pequeno Boavista por 4 a 3 no Maracanã em 2007, despedindo-se de forma melancólica da Taça Rio, com direito a protestos da torcida contra o presidente Horcades, o coordenador de futebol, Branco, e o técnico Joel Santana. O Fluminense vencia por 4 a 2, quando em busca pelo quinto gol, que poderia ser o da classificação, acabou se expondo, e num contra-ataque Everton saiu na cara de Fernando Henrique, que o derrubou na área, aos 36 minutos do segundo tempo. O juiz marcou o pênalti e expulsou corretamente o goleiro tricolor. Como Joel já havia feito as três substituições, o meia Cícero teve de ir para o gol. Anselmo bateu, aos 39, e diminuiu para 4 a 3. O Boavista ainda teria uma ótima chance de empatar no final do jogo,em chute de Thiaguinho, mas Cícero fez ótima defesa (fig. 3).

fig. 3 – O meia Cícero, improvisado no gol, pratica excelente defesa em chute de Thiaguinho, garantindo a vitória tricolor.
Por fim, como já mencionado no começo do texto o equatoriano Orejuela se tornou o nono jogador de linha do Fluminense (e primeiro estrangeiro) a ser improvisado no gol durante uma partida. O Fluminense vencia o Flamengo no segundo jogo da final do estadual – resultado que levava a decisão para os pênaltis – quando aos 39 minutos da segunda etapa, o árbitro deixou de marcar uma falta de Réver no zagueiro Henrique abrindo espaço para que Guerreiro empatasse a partida. O Flu então se lançou ao ataque desordenadamente, desguarnecendo a defesa, e já nos acréscimos Diego Cavalieri foi expulso ao fazer falta em Rodinei que o havia driblado. O volante Orejuela foi para o gol mas não conseguiu impedir a virada rubro-negra no último lance da partida.

fig. 4 – Relação de goleiros “improvisados” em jogos do Fluminense.




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