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Camueca.

Updated: Nov 1, 2022


 

De todos os nomes que assinaram a ata de fundação do Fluminense, os menos relevantes para a história do Tricolor são sem dúvida A. C. Mascarenhas e A. H. Roberts. Presentes na reunião histórica de 21 de julho de 1902 na rua Marques de Abrantes, terminou ali o envolvimento de ambos com o Fluminense. Eles não participariam de novas reuniões e nem pagariam suas joias e mensalidades, sendo finalmente demitidos de sócios do clube no início de 1903. A diretoria chegou a deliberar que seus nomes fossem riscados da lista de fundadores, o que acertadamente não aconteceu. Não se pode apagar a história, e quer queira quer não, Mascarenhas e Roberts, por estarem no lugar certo na hora certa, fazem parte da história do Fluminense. Há algum tempo eu me propus aqui no blog contar a história de cada um desses indivíduos que criaram o Fluminense, mesmo os que pouco contribuíram para a trajetória do clube como Mascarenhas e Roberts. E é justamente do primeiro que eu vou falar hoje. Enquanto pesquisar “A. H. Roberts” requereu um pouco de ingenuidade (mais sobre ele no post intitulado “O misterioso Mister Roberts” aqui no blog), descobrir quem foi “A. C. Mascarenhas” foi bem mais fácil pois ele é um nome muito ligado ao Botafogo, do qual é benemérito, e contou em entrevista a um jornal carioca as circunstâncias de sua participação na fundação do Fluminense. Este artigo é o terceiro de uma série de 20 que eu estou escrevendo sobre os fundadores do Fluminense.

Anselmo Corrêa Mascarenhas nasceu em 3 de maio de 1878 no Rio de Janeiro, filho de Amâncio Raymundo Martins Mascarenhas (1842-1917) e Maria Clara Sampaio Corrêa (1843-1886) e foi batizado com o nome do avô materno em 27 de julho desse mesmo ano na Igrejinha Matriz de São Cristóvão pelo vigário Luiz Antônio Escobar Araújo. Anselmo passaria por tragédias familiares na juventude, como a perda da mãe, morta por complicações no parto, quando ele tinha sete anos, e da irmã, Josephina, poucas semanas antes da fundação do Fluminense. Seu pai, que foi funcionário do Ministério da Fazenda (despachante da alfândega) e capitão do 4º. Batalhão de Infantaria da Guarda Nacional, contrataria segundas núpcias com uma alemã em 1895.

Anselmo fez parte da primeira turma do Colégio Militar do Rio de Janeiro, fundado em 6 de maio de 1889 na Tijuca, e ao se formar em 1893 pretendia ingressar na Escola Naval, mas como não conseguiu passar em uma das provas do exame de admissão, desistiu da carreira militar e dedicou-se ao comércio, onde trabalhou durante mais de cinquenta anos. Foi empregado do corretor de mercadorias George Emmanuel Cox, pai de Oscar Cox, trabalhou na firma Hime & C., de Edwin Elkin Hime – o patriarca da família Hime, muito ligada ao Botafogo -, foi funcionário de uma empresa de petróleo por mais de 25 anos e se aposentou pelo IAPETC, atual INSS.

A trajetória esportiva de Anselmo começa em 1892, no Grupo de Regatas Botafogo, precursor do Clube de Regatas de mesmo nome que em 1942 se fundiria com o Botafogo Football Club, dando origem ao atual Botafogo de Futebol e Regatas. Na última década do Século XIX, o remo era o esporte que atraia a mocidade, pois o futebol ainda era desconhecido do grande público, e foi à prática do rowing que Anselmo dedicou-se na juventude, mais como passatempo do que com o propósito de competir. A ele coube a glória de participar do primeiro páreo de novos realizado no Rio de Janeiro, integrando a guarnição do “Etincelle”, baleeira de seis remos vitoriosa na prova. Sua maior glória esportiva foi, entretanto, a vitória na prova de honra “4º. Centenário do Brasil”, disputada em seis de maio de 1900, integrando a baleeira “Doris”, cuja guarnição tinha, além dele, entre outros, João Carlos de Mello, assim como ele um futuro fundador do Fluminense. Mas o filho do Almirante Custódio de Mello não foi o único futuro tricolor com quem se associou, pois em 1898 ele participou de regatas como tripulante da canoa “Vina” que tinha patronagem de ninguém menos que Oscar Cox, que batizara o barco com o apelido de sua mãe.

Outro momento marcante de sua carreira de remador foi o batismo da baleeira “Salamina”, que teve como paraninfo o poeta Olavo Bilac. O parnasiano Bilac publicara no jornal Cidade do Rio, em 1900, um brilhante artigo, intitulado “Salamina” fazendo apoteose ao esporte náutico. Os sócios do Botafogo resolveram então homenagear o imortal, dando, à primeira baleeira que construíssem, o nome do título da crônica de Bilac. Naquela época, o batismo de um barco era um verdadeiro acontecimento e no caso da “Salamina”, não foi diferente. Às 6 horas da manhã do dia 28 de abril de 1901, os barcos “Doris”, “Vina”, “Sem Igual” e “Botafogo” saíram da enseada de Botafogo em busca da elegante baleeira de seis remos que se encontrava nos Estaleiros Belém, em Inhaúma. Por volta de 11 e meia surgiu próximo ao Morro da Viúva, vindo em direção ao clube, a elegante esquadrilha, tendo a “Salamina” à frente com Anselmo Mascarenhas de contra-prôa. Dois barcos atrás vinha a “Doris” com os “tricolores” Oscar Cox e Mário Rocha entre os tripulantes. As cinco embarcações foram recebidas na sede do clube, a essa altura apinhada de gente, ao som de uma bela marcha executada pela banda da brigada policial, acompanhada pelo estampido de 21 tiros de espingarda e gritos de “vivas” por parte do público presente. A cerimônia de batismo contou com a presença ilustre de Olavo Bilac, que antes de quebrar a garrafa de champanhe no casco da embarcação proferiu um belo discurso, exaltando a juventude, comparando-a à heróis da Grécia Antiga. Terminada a solenidade, a diretoria do clube convidou as pessoas presentes a subirem a um dos salões da sede, onde se achava uma farta mesa de doces. A esplêndida festa só terminaria as cinco horas da tarde, como se vê, um dia inesquecível para o jovem Anselmo, que quase 60 anos depois ainda se recordava de detalhes do grande dia.

Passear de barco pela Baía da Guanabara era a grande distração de Anselmo, que certa vez, junto com João Carlos de Mello e outro tripulante, a bordo da embarcação “Iracema” do Botafogo, salvou de afogamento dois pescadores cuja canoa virara perto do Morro da Viúva. Sempre ostentando um inconfundível chapéu de abas largas nesses passeios, motivo de identificação à léguas de distância para as beldades da época, Anselmo Mascarenhas era conhecido pelo apelido de “Camueca”, sinônimo de cachaça naqueles tempos. Apelido dado pelos seus companheiros de clube por ele gostar de tomar um aperitivo de vez em quando e pelo seu hábito de levar dentro do barco, quando em passeio, mas nunca em véspera de competição, uma garrafa de bebida alcoólica.

Em 1897 Anselmo Mascarenhas trabalhava com o negociante George Emmanuel Cox e a convite do pai de Oscar Cox foi a Niterói assistir a um jogo de futebol entre os sócios do Rio Cricket. O que à primeira vista parecia para ele uma brincadeira de crianças ganharia contornos mais sérios nos anos seguintes e em 21 de julho 1902 Anselmo entraria para a história, ao se tornar um dos signatários da ata de fundação do Fluminense, nome dado, segundo ele, devido ao fato da iniciativa de criação do clube ter nascido na capital fluminense. Sócio número 17 do clube, Anselmo, segundo o próprio, “não foi convocado para a sessão da eleição da diretoria, que se realizou dias depois” (sic), fato que o desgostou bastante, levando-o a abandonar as fileiras tricolores. Por não pagar a joia e as mensalidades, Anselmo seria demitido do clube, por decisão de diretoria, em sessão realizada em 20 de março de 1903, assim como havia acontecido com A. H. Roberts, algumas semanas antes.

Mas não terminou aí o envolvimento de Anselmo com o futebol, pois com a fundação do Botafogo FC em 1904, ele ingressaria de sócio no clube do qual faria parte pelo resto de sua vida. Sócio-benemérito do alvinegro, Anselmo exerceu diversos postos de diretoria nos primeiros anos do Botafogo, como durante a conquista do estadual de 1910, por exemplo, quando foi membro do ground committee. Um de seus maiores orgulhos era ter ajudado a construir o antigo campo da Rua Voluntários da Pátria, participando da derrubada das inúmeras palmeiras, obra necessária para a preparação do campo e executada pelos próprios sócios do clube.

Anselmo Mascarenhas viveria seus 15 minutos de fama em 1958, ao participar dos festejos de comemoração do 19º. aniversário da Associação de ex-Alunos do Colégio Militar. Representante mais velho da instituição, esbanjando saúde para os seus 80 anos de idade, “Camueca” foi a estrela do evento. Com a sua voz forte, comandou o desfile do batalhão dos ex-alunos, ordenou continência para toda tropa em frente ao busto de Thomaz Coelho, fundador do colégio, a quem conheceu pessoalmente, e foi manchete em vários jornais.

Anselmo Corrêa Mascarenhas jamais contraiu casamento e ao falecer em 7 de maio de 1963 aos 85 anos e quatro dias de idade consolidou-se como o fundador do Fluminense que mais viveu.*

*Essa informação pode não ser correta. Se não vejamos. Álvaro Drolhe da Costa, um outro fundador do Fluminense, nasceu em 26 de junho de 1880 e faleceu em 29 de junho de 1965, tendo vivido, portanto, 85 anos e três dias, um dia a menos que o nosso interminável Anselmo Mascarenhas. Mais claro que isso impossível. Camueca é o ganhador indiscutível do título de fundador mais longevo. Só que não. Sabemos, de seus respectivos registros de óbito, que Drolhe faleceu às 14h 30m do dia 29 e Mascarenhas às 5h da manhã do dia 7, mas não sabemos seus horários de nascença, pois registros de nascimento só foram instituídos no Brasil em 1889. Vamos imaginar, apenas como exercício, que Álvaro tenha nascido às 4h e 30m da manhã do dia 26 e Anselmo às 20h do dia 3. Nesse caso Álvaro teria vivido 85 anos + 82h e Anselmo teria vivido 85 anos + 81h. Álvaro teria vivido, portanto, nesse exemplo, uma hora a mais. Mas essa matemática toda leva em consideração anos bissextos? Sim, ambos viveram exatos vinte “29 de fevereiros”, e portanto, anos bissextos não influem no comparativo final de suas idades. Então, afinal, qual fundador do Fluminense viveu mais tempo? Essa é uma pergunta cuja resposta jamais saberemos. O mais curioso nessa história toda é que nenhum outro fundador do Fluminense, excetuando esses dois, viveu o mesmo número de anos que qualquer outro. Quis o destino que justamente nos dois de vida mais longa surgisse essa incrível paridade quanto a idade.


fig.1 – Anselmo Mascarenhas foi o décimo-sétimo a assinar a lista de presença da reunião de fundação do Fluminense, mas foi eliminado do clube oito meses depois.



fig. 2- Anselmo Mascarenhas foi um dos destaques do desfile de cinquenta anos do Botafogo em 1954. Na foto o vemos como porta-bandeira, ou melhor, porta-remo, da ala de remadores.


fig. 3 – Em entrevista ao Correio da Manhã por ocasião do 55º. aniversário do Fluminense, Anselmo Mascarenhas lamentou jamais ter sido distinguido com o título de sócio fundador do Fluminense.


fig. 4 – Anselmo Mascarenhas ganhou destaque na imprensa carioca em 1958 ao participar dos festejos de comemoração do 19º. aniversário da Associação de ex-Alunos do Colégio Militar do Rio de Janeiro.


fig. 5 – Anselmo Mascarenhas, à direita na foto, por ocasião de um jantar de confraternização de antigos remadores em 1960.


fig. 6 – Anselmo Mascarenhas é benemérito do Botafogo, e não foi esquecido pelo clube, que realizou uma missa em sua memória após a sua morte em 1963.

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