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O Coronel Milton.

Updated: Nov 7, 2022


 

Nas décadas de 1910 e 1920, quando o futebol ainda era amador, era comum aspirantes a oficial das Forças Armadas ingressarem nos clubes de futebol. As duras exigências físicas da carreira militar os deixavam melhores preparados que seus companheiros de time, em sua maioria comerciantes e profissionais liberais com pouco tempo disponível para treinar. O Fluminense teve vários “aspiras” em seu elenco: Alfredo Lemos (1920), Carlos Carneiro (1915), César Bacchi (1919-1922), Francisco Mendes (1914-1915), Harold Cox (1912), José Manoel Coelho (1920-1927) e Oswaldo “China” Coutinho (1928), só para citar alguns. Muitos deles seguiram carreira militar e com o tempo assumiram postos de comando, tornando-se almirantes ou generais. Uma minoria foram mais além, e assumiram o governo de estados em importantes momentos da história do Brasil. O ponta-esquerda Milton (fig. 1), titular da ala tricolor nas temporadas 1927 e 1928 foi um desses casos e é o meu personagem dessa semana. Conhecido pelos seus familiares como Coronel Milton, a publicação desse texto só foi possível graças a inestimável colaboração de dois de seus netos, que me arranjaram fotos e me contaram um pouco da história de seu avô.


fig. 1 – O ponta-esquerda Milton foi titular absoluto do Fluminense nas temporadas 1927 e 1928.


Milton Pereira de Azevedo nasceu em Aquidabã, no Agreste sergipano, em 25 de março de 1907, filho de José Pereira de Oliveira Azevedo e Maria Henrique de Azevedo. Ainda adolescente Milton se mudou para o Rio de Janeiro, e em 1919 prestou exame e foi admitido no Colégio Militar, na Tijuca. Nesse importante estabelecimento de ensino começou a mostrar seu perfil de liderança ao fundar e presidir em 1924 a União Católica do colégio, formada por um grupo de alunos e que teria mais de 200 membros. Após sentar praça em março de 1925, Milton ingressou na Escola Militar do Realengo, de onde saiu aspirante em janeiro de 1929. E é justamente no período em que esteve estudando nessa instituição do Exército, destinada ao preparo de oficiais, que Milton praticou o futebol.

Seu primeiro time foi o Vasco, clube que defendeu nos Campeonatos Cariocas de 1925 e 1926. Pela equipe cruzmaltina, vice-campeã de 1925 e terceira colocada em 1926, Milton marcaria 16 gols. No segundo semestre de 1926 o jovem aspirante trocou o Vasco pelo Dramático Athletic Club da antiga Liga Metropolitana, a mesma que comandara o futebol carioca até a cisão de 1924. Milton ficaria pouco tempo no Dramático, clube localizado no bairro de Realengo, próximo a onde estudava, entretanto, pois no início de 1927 se inscreveu no Fluminense. Seu ingresso no Tricolor desagradou a cúpula vascaína, que em ofício enviado à AMEA em março de 1927, comunicou à jovem entidade, que passara a reger o futebol carioca após a cisão, a eliminação do sergipano, por unanimidade de votos, de seu quadro social (fig. 2).


fig. 2 – No início de 1927 Milton trocou o Vasco pelo Fluminense, o que desagradou os dirigentes cruzmaltinos, que o eliminaram de sócio do clube.


Nas Laranjeiras Milton foi imediatamente lançado na equipe principal, tomando o lugar do consagrado ponteiro Moura Costa, que se viu relegado ao segundo quadro. Em sua estreia com a camisa tricolor em amistoso disputado contra o América em Campos Sales no dia 3 de abril, parte de um festival esportivo promovido pelo clube da Tijuca, o sergipano mostrou logo a que veio, proporcionando o cruzamento que escorado de cabeça pelo centroavante Williams resultou no primeiro gol do Flu e anotando um outro, injustamente anulado pelo árbitro, que ao final da partida seria agredido pela torcida americana inconformada com a derrota de 2 a 1. Três semanas depois o ponta-esquerda teria participação decisiva no Torneio Início, competição disputada em um único dia em partidas de curta duração. O Fluminense não precisou contabilizar escanteios – primeira regra de desempate – para se sagrar campeão, pois venceu os três jogos que disputou: 2 a 0 no Sport Club Brasil, 1 a 0 no Botafogo e 2 a 0 no São Cristóvão, com Milton marcando três dos cinco gols do Flu, consagrando-se como artilheiro da competição (fig. 3). Posteriormente, por iniciativa própria, o Fluminense devolveu o troféu que conquistou, pois trocou dois jogadores para o segundo jogo, o que não era permitido pelo regulamento do torneio.


fig. 3 – Milton foi o principal jogador do Fluminense no Torneio Início de 1927, vencido pelo Tricolor. Seus três gols deram-lhe a artilharia da competição.


O Fluminense fez um ótimo Campeonato Carioca em 1927, terminando a competição em segundo lugar apenas um ponto atrás do Flamengo, o eventual campeão. Milton teve várias atuações de destaque ao longo do ano, sendo decisivo em vários jogos (fig. 4), como na vitória de 3 a 1 sobre o Vila Isabel quando marcou dois gols, um em cada tempo, ou na virada de 2 a 1 em cima do São Cristóvão, graças a um gol seu de cabeça, ou no 2 a 2 com o Vasco em que empatou a partida no último minuto, ou ainda no triunfo de 4 a 3 sobre o Sport Club Brasil, outra partida em que assinalou dois gols. Os nove gols que marcou no campeonato o colocaram atrás apenas de Alfredo e Preguinho na artilharia tricolor. Esse trio, por sinal, responsável por mais da metade dos gols do Fluminense no ano, foram também os únicos a participarem de todos os jogos do campeonato.



fig. 4 – O ponta-esquerda Milton fez um ótimo ano de 1927, marcou muitos gols e decidiu vários jogos.


No ano seguinte o Fluminense caiu de produção como um todo. A equipe se mostrou inconstante, alternou bons e maus momentos e terminou o Campeonato Carioca apenas na quarta colocação, dez pontos atrás do campeão América. Milton fez menos gols em 1928 – apenas quatro -, mas jamais perdeu a titularidade, tendo entrado no decorrer de uma partida apenas uma vez, contra o Bangu, substituindo na ocasião o ponteiro Eurico. Nesse ano, somente ele e o zagueiro Py atuaram em todas as partidas do Flu na competição, o que faz dele o único atleta tricolor a ter participado de todos os jogos oficiais do Fluminense nas temporadas de 1927 e 1928.

Considerado um ótimo jogador, um típico “player-cavalheiro”, segundo os jornais da época, Milton pediu transferência para o Clube Bahiano de Tênis em 1929, pois passou a servir no 19º Batalhão de Caçadores da 6a. Região Militar, sediada em Salvador (fig. 5). Estava desfeita a perigosa ala Preguinho-Milton, que tantas vitórias conquistara para o Tricolor (fig. 6). Somadas as duas temporadas em que defendeu o Fluminense, Milton disputou ao todo 45 jogos pelo clube, assinalando 16 gols.


fig. 5 – No início de 1929 Milton deixou o Fluminense, pois foi transferido para à Bahia.


fig. 6 – Preguinho e Milton formaram uma ala-esquerda infernal nas temporadas 1927 e 1928, marcando muitos gols e dando muito trabalho aos zagueiros adversários.


Promovido a segundo-tenente em julho de 1929, Milton foi transferido para o 28º Batalhão de Caçadores de Aracaju em dezembro. No ano seguinte, participou da Revolução de outubro, comissionado no posto de tenente-coronel pelas forças revolucionárias no Norte do Brasil. Durante o governo de Maynard Gomes em Sergipe (1930-1935), tomou parte na perseguição no interior do estado ao grupo de cangaceiros liderados por Lampião, que em 1936 “visitaria” sua cidade natal, cometendo todo tipo de atrocidades.

Com a eclosão da Revolução Constitucionalista em São Paulo em 1932, Milton embarcou com seu batalhão para Barra Mansa no Rio de Janeiro, onde se incorporou às forças legalistas, comandadas pelo General Góis Monteiro. Em 1934 foi nomeado instrutor de infantaria da Escola Militar de Realengo, e promovido à capitão nesse mesmo ano, retornou ao 28º Batalhão em 1935.

Em 1937, com a instauração do Estado Novo, os estados passaram a ser governados por interventores federais nomeados por Getúlio Vargas, e em 30 de junho de 1941, o capitão Milton Pereira de Azevedo, homem de confiança do presidente, foi o escolhido para exercer essa função em seu estado natal, sucedendo a Erônides de Carvalho, que anos antes tentara sem sucesso destituí-lo de seu posto no 28º Batalhão, acusando-o de atividades subversivas, que o tempo mostraria serem infundadas.

Devotado inteiramente à caserna, o antigo ponta-esquerda tricolor, foi pego de surpresa pela honrosa investidura que foi contemplado, ainda mais que se encontrava afastado de Sergipe desde 1937. Na época à disposição do Ministério da Justiça, atuando como instrutor da Polícia Militar do Rio de Janeiro, o capitão Milton foi empossado no dia primeiro de julho de 1941 no gabinete do ministro da Justiça, Francisco Campos, no Palácio Monroe, em cerimônia assistida por numerosas autoridades civis e militares (fig. 7). No dia 7, o militar foi recebido em audiência no Palácio do Catete pelo presidente da república, e dois dias depois embarcou com a esposa e os dois filhos em avião da Panair para Aracaju (fig. 8).


fig. 7 – No dia primeiro de julho de 1941 o Capitão Milton Pereira de Azevedo, em traje militar, tomou posse como Interventor Federal do Estado de Sergipe, em cerimônia realizada no Ministério da Justiça no Palácio Monroe no Rio de Janeiro.


fig. 8 – No dia 9 de julho de 1941 o Capitão Milton Pereira de Azevedo embarcou, com a esposa e dois filhos, em avião da Panair com destino à Sergipe, onde iria assumir o governo do estado.


Constituiu grande acontecimento a chegada do interventor federal à Aracaju. Saudado por milhares de sergipanos, grande massa popular acompanhou o capitão em seu trajeto do aeroporto até o Palácio Olímpio Campos, onde assumiu o governo do Estado (fig. 9). Íntegro, incorruptível, extremamente patriota, seu curto período à frente de seu estado natal – apenas nove meses – foi marcado por obras de grande alcance social, como a construção de estradas e escolas, e pelo equilíbrio das finanças, que entregaria ao seu sucessor com saldo em caixa e com o funcionalismo pago em dia. Milton tinha o hábito de percorrer constantemente o interior do estado, acompanhando obras e estimulando a população. Diz a lenda que certa vez assistindo em um estádio a uma importante partida de futebol, em determinado momento os ânimos se acirraram entre os jogadores, houve muita confusão em campo e o jogo foi interrompido. Milton não se fez de rogado, desceu até o gramado e se apresentou para apitar o restante do jogo, a presença do interventor do estado no apito sendo o suficiente para serenar os ânimos e a partida poder prosseguir sem novos percalços. Em março de 1942 ele pediu exoneração do cargo e foi sucedido por Maynard Gomes.


fig. 9 – A chegada do Capitão Milton Pereira de Azevedo, de terno escuro na foto, à Aracaju, em julho de 1941, parou a cidade. O povo saiu às ruas para saldar o novo interventor federal de Sergipe.


Promovido a major em 1943, a tenente-coronel em 1950 e a coronel em 1955, patente com a qual seu nome é mais associado, Milton foi chefe de gabinete dos Quarteis-Generais da 4a. e da 6a. Região Militar e em 1962, assumiu o comando do Curso de Preparação de Oficias da Reserva (CPOR) de Salvador, seu último posto.

Milton Pereira de Azevedo casou-se em 6 de janeiro de 1932 em Aracaju com Helena Freire de Andrade, também de família de militares, e teve três filhos homens, todos chamados José, em homenagem a seu pai. Faleceu em Salvador em 2 de fevereiro de 1964, aos 56 anos, e foi sepultado no Cemitério do Campo Santo.


fig. 10 – Não são muitos ex-jogadores de futebol que dão nome a escolas. O ponta-esquerda Milton do Fluminense é um deles. No caso, em sua cidade natal, Aquidabã, no Sergipe.

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