O americano.
- Carlos_Santoro
- Jan 9, 2018
- 8 min read
Updated: Oct 28, 2022

A essa altura o leitor do meu blog, se é que eu tenho algum, já deve ter percebido que os personagens temas dos meus posts são invariavelmente jogadores amadores do começo do século passado. A razão para isso é muito simples. Enquanto jogadores profissionais, mesmo aqueles de pouca relevância para a história do Fluminense, são em sua maioria de fácil pesquisa, os pioneiros do futebol representam um desafio muito maior para o pesquisador, pois são quase sempre apenas nomes impressos em súmulas antigas de jogos, e quase nada se sabe a respeito deles. Para reparar este erro eu tenho dedicado boa parte de minhas pesquisas sobre o Fluminense, nos últimos 20 anos, a esses indivíduos, com relativo sucesso, dando cara a pessoas que por mais de 100 anos permaneceram esquecidas. Um desses personagens, Frank Slade, goleiro que defendeu o Fluminense em 1905, é o tema do meu post desta semana. Por mais de duas décadas ele permaneceu um mistério para mim. Apenas um nome e um rosto numa foto antiga de jogo. Mas tudo isso mudou neste último mês quando eu consegui enfim localizar uma de suas netas e através dela conhecer um pouco de sua história.
Minha pesquisa começou anos atrás no livro de registros de jogos do clube onde o nome “F. Slade” é mencionado como o goleiro do Flu na partida contra o Rio Cricket de 27 de agosto de 1905 (fig. 1). Algum tempo depois, folheando um velho álbum de fotos e clippings de jornais existente no Flumemória eu me deparei mais uma vez com esse nome numa famosa foto de uma excursão que o Fluminense empreendeu à São Paulo em 1904 (fig. 2). Nela, aparecem não só os 11 jogadores do Flu, como todos os outros atletas dos cinco times que o Fluminense enfrentou durante a excursão: Germânia, Mackenzie, Paulistano, Internacional e Athletic. Seria então esse “F. Slade” de 1904, que aparece na foto integrando a equipe do Colégio Mackenzie, e o “F. Slade” goleiro do Fluminense de 1905 a mesma pessoa? Era uma boa possibilidade, considerando que “Slade” não era um sobrenome muito comum no Brasil. Consultando jornais da época, eu descobri que Slade foi o GOLEIRO do Mackenzie no campeonato paulista de 1904, mais um indicio à favor da singularidade dos nomes. Mas uma crônica publicada no Jornal do Brasil sobre o jogo de 27 de agosto onde o periódico afirma “Como goal keeper jogou F. Slade, nome este bastante conhecido e respeitado em S. Paulo” (fig. 3), fechou questão para mim que se tratava da mesma pessoa.

fig. 1 – Ficha do amistoso de 27 de agosto de 1905 do Fluminense contra o Rio Cricket. F. Slade, o goleiro do Flu, saiu invicto da partida.

fig. 2 – F. Slade foi o goleiro do Mackenzie na partida disputada contra o Fluminense em 5 de setembro de 1904 no Velódromo Paulista e três dias depois retornou ao estádio para posar com seus companheiros de time para a famosa foto que reuniu todos os clubes que enfrentaram o Fluminense na excursão.

fig. 3 – Crônica do jogo Fluminense e Rio Cricket publicada no Jornal do Brasil em 28 de agosto de 1905 confirmou que o F. Slade “carioca” e o F. Slade “paulista” eram a mesma pessoa!
Meu próximo passo foi consultar o livro de registros de sócios do Flu e lá não só eu consegui descobrir seu primeiro nome e sua inicial do meio, “Frank H.”, como seu endereço: Rua do Ouvidor, 105 (fig. 4), que vem a ser o endereço da famosa Casa Edison, de Fred Figner, um americano nascido na República Tcheca, que trouxe os primeiros gramofones e abriu o primeiro estúdio de gravação e varejo de discos do Brasil (fig. 5). Foi neste estágio que a minha pesquisa esteve parada durante anos até que há um mês e meio aconteceu um fato que reviveu meu interesse por Frank H. Slade e me permitiu finalmente descobrir seu paradeiro.

fig. 4 – Frank H. Slade entrou de sócio (número 194) do Fluminense em 1905, proposto por Edwin H. Cox. Mas deixou o clube no ano seguinte.

fig. 5 – É provável que Frank Slade tenha trabalhado para a Casa Edison de Fred Figner, cuja mansão na Rua Marquês de Abrantes abriga hoje um centro cultural.
Em meados de novembro o Fluminense acertou com a Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio patrocínio na manga da camisa para os quatro jogos finais do Campeonato Brasileiro. Visitando o site do instituto, mais por curiosidade do que qualquer outra coisa, eu descobri que eles tem um Centro Histórico e Cultural em São Paulo, cujo acervo pode ser consultado in loco, que contém documentos institucionais de guarda permanente do começo do século passado como livros de matrícula e fichas de alunos. Na mesma hora eu me lembrei de Frank Slade, nome gravado no meu subconsciente há anos, e meu primeiro impulso foi agendar uma visita, pegar um avião e passar uma tarde pesquisando os arquivos do Centro. Acabei, entretanto, optando pelo opção mais simples, entrei em contato com o Centro e perguntei se alguém poderia fazer a pesquisa para mim. A resposta sendo positiva, eu perguntei se eles tinham a ficha do aluno Frank H. Slade, que havia estudado na escola ao menos em 1904. Obviamente a resposta poderia ser boa ou ruim, mas no meu caso ela foi as duas. Ruim porque não, não havia ficha do aluno Frank H. Slade, pois ele não fora aluno da escola, e sim Diretor do Curso Comercial em 1904 (fig. 6), o que faz sentido, já que ele parece mesmo ser mais velho que seus companheiros de time na foto de 1904. E boa porque suas duas filhas estudaram no colégio na década de 1930, e suas fichas continham não só os seus nomes e datas como também o nome completo de seus pais. De posse desses quatro nomes ficou fácil rastrear em sites de genealogia o paradeiro do nosso inolvidável Frank Slade (eu acredito que qualquer pessoa que tenha nascido no mundo nos últimos 150 anos tem algum registro em algum lugar na web) e de fato em menos de 15 minutos eu tinha o nome de uma de suas netas que muito gentilmente acedeu aos meus pedidos, me forneceu fotos e me contou a história do seu avô.

fig. 6 – Frank H. Slade fez parte em 1904 do corpo docente do Mackenzie College, faculdade presbiteriana fundada em 1870 em São Paulo.
Frank Harry Slade nasceu em 10 de junho de 1880 no bairro do Brooklyn em Nova Iorque, filho mais velho do advogado Francis Page Slade (1856-1906) e da dona de casa Louise Foote Hackett (1860-1928). Os ancestrais de Frank emigraram da Inglaterra para os Estados Unidos antes da Revolução Americana, estabelecendo-se inicialmente no estado de Massachusetts, na Nova Inglaterra. O pai de Frank, nasceu em São Francisco, para onde o seu pai (o avô de Frank) havia migrado durante a Corrida do Ouro, mas montou firma em Nova Iorque, após formar-se em Direito na NYU. Frank por sua vez estudou Comercio e trabalhou como estenógrafo enquanto residia no Brooklyn.
Não se sabe ao certo porque Frank decidiu vir ao Brasil. Talvez tenha recebido uma oferta de emprego ou apenas resolveu tentar a sorte nos trópicos, mas é certo que em 1904 vamos encontrá-lo residindo em São Paulo, trabalhando como professor do Curso Comercial do Mackenzie College. Existia uma ligação estreita entre o Mackenzie e a Universidade de Nova Iorque, pois além de seu diretor, Horace M. Lane, ter sido formado lá, a universidade americana tinha representantes na comissão fiscal da escola, e pode residir aí a conexão que trouxe Frank ao Brasil.
Os alunos da faculdade formaram em 1898 um clube de futebol, chamado de Associação Atlética Mackenzie College, que é considerado por muitos como o primeiro clube fundado no Brasil por brasileiros e para brasileiros para a prática do futebol. O Mackenzie foi um dos fundadores em 1902 da primeira liga de futebol do país, a Liga Paulista de Futebol, e participaria 13 vezes do Campeonato Paulista: de 1902 à 1906 e depois de 1912 à 1919. Frank foi o goleiro titular do Mackenzie no campeonato de 1904 e em 5 de setembro enfrentou o Fluminense no segundo jogo da célebre excursão do na época bicolor carioca à capital paulista. Sua atuação no amistoso rendeu elogios da imprensa, e por demonstrar agilidade na meta alvirrubra, Frank foi comparado a um gato (fig.7)!

fig. 7 – Crônica publicada no jornal Comércio de São Paulo em 6 de setembro de 1904 deu destaque a atuação do goleiro Slade do Mackenzie no amistoso contra o Fluminense.
No ano seguinte, Frank se mudou para o Rio, e por proposta de Edwin Cox, entrou de sócio no Fluminense. O americano ficaria pouco tempo nas Laranjeiras e disputaria poucos jogos pelo Tricolor, há registro de apenas dois nos arquivos do clube: uma partida pelo segundo quadro contra o Bangu, em 28 de maio, e o já mencionado amistoso contra o Rio Cricket de 27 de agosto, este sim pela equipe principal do Flu. Vale ressaltar que em ambas as partidas Frank saiu incólume do gol.
Mas o Fluminense não foi a única equipe que Frank defendeu enquanto morou no Rio, pois ainda em 1905 ele disputaria alguns jogos pelo Football & Athletic, clube do bairro do Andaraí. Em 1906 Frank se inscreveu no Rio Cricket de Niterói para a disputa do primeiro Campeonato Carioca. E no ano seguinte, com a desistência do clube da colônia inglesa em disputar o campeonato de 1907, Frank retornou ao Football & Athletic, que a essa altura mudara de nome para Associação Atlética Internacional. Em ambas essas agremiações, o americano atuou tanto como goleiro como jogador de linha, e sempre recebendo elogios da imprensa (Fig. 8).

fig. 8 – Frank Slade era invariavelmente elogiado pelos jornais por suas atuações. Tanto no Mackenzie, como no Fluminense, no Rio Cricket e na Internacional (Football & Athletic), os quatro clubes que defendeu no Brasil.
No Rio, é bastante provável que Frank Slade tenha trabalhado algum tempo para Fred Figner, mas foi como secretário do embaixador americano no Brasil, Irving B. Dudley, que Frank passou a ter o seu nome mencionado regularmente em jornais (fig.9), ora recepcionando comitivas americanas, ora participando de eventos sociais. Por volta dessa época, ele se tornou, também, representante no Brasil da editora americana Silver, Burdett & Co., especializada em livros didáticos de Ensino Fundamental. E foi muito provavelmente nessa capacidade que Frank travou amizade com o Reverendo John McPherson Lander (1858-1922), diretor de uma editora metodista no Rio.

fig. 9 – O jornal Correio Paulistano registrou a presença de Frank H. Slade em São Paulo em 22 de outubro de 1907. Na época ele trabalhava no Rio como secretário do embaixador americano Irving B. Dudley.
O Reverendo Lander foi, também, reitor do famoso colégio Granberry de Juiz de Fora, Minas Gerais, e reza a lenda, que em 1893, o clérigo trouxe de uma viagem à Londres, uma bola de futebol e as regras do jogo, para que os alunos do seu colégio pudessem praticar o esporte. Um ano antes, portanto, de Charles Miller introduzir oficialmente o futebol no Brasil.
Ao retornar aos Estados Unidos em 1911 em uma viagem sabática, o Reverendo Lander escreveu para a Silver, Burdett & Co. recomendando Frank à matriz da editora. Frank foi transferido então para os escritórios da empresa nos Estados Unidos e passou a dividir o seu tempo entre o emprego em Connecticut e visitas regulares à residência dos Lander na Carolina do Sul, onde passou a cortejar Caroline, uma das filhas do reverendo.
Frank Slade e Caroline Hall Lander (1892-1972) casaram-se em junho de 1912 em Greenwood na Carolina do Sul (fig. 10). O casal viveria seus primeiros anos juntos no Brooklyn e posteriormente em Norwalk, Connecticut, onde Frank seguiu trabalhando como representante da Silver, Burdett & Co.

fig. 10 – Frank Slade (ao centro na frente na foto) casou em 1912 na Carolina do Sul nos Estados Unidos com a brasileira, nascida em Juiz de Fora, Caroline Lander (de chapéu ao lado do esposo na foto). O casal teria três filhos: Margaret, Louise e Frank.
Frank Slade faleceu repentinamente em 11 de dezembro de 1916, aos 36 anos, no Hospital Long Island no Brooklyn, vitima de pneumonia, e foi sepultado em Bellport, Nova Iorque, vila fundada pelo seu bisavô materno (fig. 11).

fig. 11 – Frank Slade faleceu em 1916 em Nova Iorque e está enterrado perto do túmulo dos pais no Woodland Cemetery em Bellport, Nova Iorque.
Sua viúva retornou ao Brasil com os três filhos do casal, o caçula nascido apenas seis dias antes de Frank falecer. Através dos anos ela daria aulas de inglês e piano e de tempos em tempos retornaria aos Estados Unidos. Frank Thompson Slade (1916-2001), o filho mais novo, casou com uma médica brasileira, e seus filhos, netos e bisnetos vivem até hoje no Brasil.
Frank Harry Slade segue sendo o único norte-americano na história a atuar pelo Fluminense (fig. 12).

fig. 12 – Frank Harry Slade em foto tirada em Petrópolis em 1907. O único americano a ter defendido o Fluminense.




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