O misterioso Mister Roberts.
- Carlos_Santoro
- Aug 15, 2017
- 5 min read
Updated: Oct 20, 2022

Os 20 jovens que se reuniram na noite de 21 de julho de 1902 num casarão na rua Marques de Abrantes para fundar o Fluminense, estão eternizados em placa de bronze fixada em pedra na sede histórica das Laranjeiras. A placa, inaugurada em 1938 por ocasião do trigésimo sexto aniversário do clube e recentemente restaurada, reproduz fielmente a lista de presença da reunião de fundação do clube e contém assinatura e endereço de cada um dos fundadores. Nela constam nomes importantes da história do Tricolor, como Oscar Cox, introdutor do futebol no Rio de Janeiro, Horácio da Costa Santos, artilheiro do primeiro campeonato carioca, Félix Frias, futuro presidente do clube e Victor Etchegaray, primeiro capitão da equipe. Mas constam também, nomes menos relevantes, gente que ou por não ter jogado bola, ou por não ter assumido cargos de diretoria ou por ter se desligado precocemente do clube, pouco contribuiram para a sua história. Um desses nomes é “A. H. Roberts”, o último a deixar sua assinatura na lista de presença (fig. 1). E é justamente dele que eu vou falar hoje. O primeiro de uma série de 20 posts que farei contando um pouco da história de cada um dos fundadores do clube.

fig. 1 – Assinatura e endereço de A. H. Roberts na lista de presença da reunião de fundação do Fluminense em 1902.
Pode-se argumentar por que perder tempo pesquisando um indivíduo que, segundo afirma Paulo Coelho Netto no seu livro História do Fluminense, foi eliminado do clube no início de 1903 “por falta de pagamento da joia e mensalidade” e tem portanto quase nenhuma relevância na história do Tricolor? A resposta é que, quer queira, quer não, ele é responsável por 5% da criação do clube e portanto um dos culpados, ou melhor dizendo, um dos agentes causadores da paixão de milhões de torcedores.
Mencionado em dezenas de livros e sites sobre a história do clube, passados 115 anos, ninguém parece saber seu primeiro nome. Mas será que depois de tanto tempo é possível conseguir alguma informação sobre ele? Descobrir quem foi, de onde veio, para onde foi e o que fazia? Eu acredito que sim, e foi essa a tarefa que eu me propus há alguns anos, descobrir o paradeiro do misterioso Mister Roberts.
Minha pesquisa começou no próprio clube, que infelizmente não possui mais fichas de cadastro dos sócios do começo do século passado. Mas existe na sala do Flumemoria, entretanto, um velho álbum de folhas pautadas, negligenciado pela maioria dos pesquisadores, com nome e endereço de cada um dos sócios do clube entre 1902 e 1909. Nele consta o nome de A. H. Roberts, que aparece no livro como sendo o sócio de numero vinte. Tem também seu endereço: Rua da Glória 38 (diferente do endereço que aparece na lista da fundação, que é Praia de Botafogo 80 – o primeiro provavelmente comercial e este ultimo residencial) e a informação de que ele foi eliminado do clube em 14 de fevereiro de 1903 (fig. 2).

fig. 2 – Nome e endereço de A. H. Roberts no livro de registros de sócios do clube.
De posse desses dois endereços, meu próximo passo foi consultar o Almanaque Laemmert, espécie de páginas amarelas da época, disponível no site da Biblioteca Nacional. Com o endereço da Praia de Botafogo eu não obtive qualquer retorno mas com o da Rua da Gloria eu encontrei o que queria, o número 38 era o endereço, em 1902, da The Leopoldina Railway Ltda., empresa inglesa que administrava a malha ferroviária da antiga Estrada de Ferro da Leopoldina que se estendia do Rio de Janeiro até o sudeste de Minas (fig. 3). Seguindo adiante na minha pesquisa com o Laemmert, eu descubro que em 1915 A. H. Roberts era o chefe do tráfego (não confundir com chefe do tráfico!) dessa mesma companhia, que agora tinha como endereço o número 36 da mesma rua (fig. 4). A essa altura, eu ainda não tinha seu primeiro nome, mas tinha possivelmente sua profissão, imaginando que o Roberts de 1915 era muito provavelmente o mesmo de 1902.

fig. 3 – Endereço da Leopoldina Railway no Almanaque Laemmert de 1902.

fig. 4 – Endereço da Leopoldina Railway no Almanaque Laemmert de 1915. A. H. Roberts era membro da diretoria.
Ciente da dificuldade que é pesquisar o termo “Roberts” em jornais da época, pois uma busca do nome retorna milhares de resultados, eu resolvi concentrar a minha pesquisa nos dois ou três jornais ingleses publicados no Rio no princípio do século XX. E foi justamente em um deles, o The Brazilian Review para ser mais específico, que eu encontrei a informação que eu queria, numa lista de passageiros ingleses que desembarcaram do navio Aragon, vindo de Southampton, em fevereiro de 1906 é mencionado um certo Albert Harry Roberts (fig. 5).

fig. 5 – Relação de passageiros ingleses embarcando/desembarcando no Rio em fevereiro de 1906.
A partir daí minha pesquisa caminhou mais rápida. Na lista de passageiros do Aragon eu descobri que Albert Harry era de fato ferroviário (fig. 6). Utilizando agora como termo de busca seu nome completo, encontrei seu aviso fúnebre, publicado no Correio da Manhã em 3 de fevereiro de 1940, quando ele ainda era Superintendente de Tráfego da Leopoldina (fig. 7). De posse dessa data foi fácil encontrar no cartório seu registro de óbito e através dele obter o nome de sua esposa e de seus pais. No Departamento de Registros Gerais da Inglaterra eu obtive seu registro de nascimento. Mas a confirmação mesmo que o “Albert Harry Roberts” ferroviário e o “A. H. Roberts” fundador do Fluminense eram a mesma pessoa veio através da assinatura no seu registro de casamento em 1907, bastante similar a assinatura encontrada na ata de fundação de 1902 (repare o A, o H e o R maiúsculos, bastante parecidos) (fig. 8 e 9).

fig. 6 – Albert Harry Roberts e sua esposa, recém-casados, aparecem na lista de passageiros do navio Aragon que atracou no Rio em 12/02/1906.

fig. 7 – Aviso fúnebre de Albert Harry Roberts publicado no Correio da Manhã em 1940.

fig. 8 – Assinatura de A. H. Roberts na lista de fundadores do Fluminense de 1902.

fig. 9 – Assinatura de Albert Harry Roberts no seu registro de casamento de 1907.
A cereja do bolo foi uma foto sua que obtive numa edição do jornal O Malho de 1928, por ocasião de seu embarque em uma de suas viagens para a Europa. Embora na legenda suas iniciais estejam, por engano, com a ordem invertida (fig. 10).

fig. 10 – Foto de A. H. Roberts publicada no jornal O Malho em 1928.
Solucionado o mistério, isso é o que sabemos agora: Albert Harry Roberts, vigésimo fundador do Fluminense, o último a chegar e o primeiro a sair (não da reunião, mas do clube) nasceu em Leicester, Inglaterra, em 5 de janeiro de 1880, filho de John Williams e Harriet Roberts. Imigrou para o Brasil provavelmente na virada do século XX (seu nome aparece no censo de 1891 da Inglaterra, mas não no de 1901), muito provavelmente também, já contratado para trabalhar na Leopoldina Railway, que em 1898 assumira o controle da antiga Estrada de Ferro Leopoldina. Quando jovem, aos 22 anos, ajudou a fundar o Fluminense, mas desligou-se do clube logo em seguida. Em 1906 casou-se na Inglaterra (e em 1907 no Brasil) com a espanhola Maria Angela Lopes Chaves. Foi durante toda a vida funcionário da Leopoldina e a partir de 1915 pelo menos, um dos chefes de tráfego da companhia. Faleceu em 2 de fevereiro de 1940 aos 60 anos de idade devido a problemas do coração. Foi sepultado no Cemitério dos Ingleses na Gambôa e não deixou descendentes.
Como curiosidade final, Roberts foi em 1928 testemunha de casamento de seu conterrâneo Millar, que foi jogador do Fluminense em 1910 e de quem falarei em um futuro post.




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